Arquetipos e Imagens Universais

E a tarde na foto desbotou. Virou verão de janelas abertas e cheiro de lençol secando ao sol. Guarda-roupas mudam de tom. Cadeiras abraçam em novos formatos. Lembranças são tais que quebram e conquistam.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O melhor dia de todos os dias

Poema


Ametista de líquido perfeito

onde se banham os sonhos

capturava em transe a todos

que ousavam olhar.


Todos os caminhos verdes

curvavam-se entre si

desenhando estranho e

harmonioso escuro.


Era o último de todos os lugares

onde pés vivos moveriam

a paz azul turquesa.


Enfileiradas, todas as formas de tristeza

construíam a entrada para

o ingresso de suspiros gêmeos.


No melhor dia de todos os dias

o Sol deslizava pelas folhas

e a brisa secava devagar

os cabelos molhados.


Braços flutuantes doíam com

a ausência pavorosa de todas as

pessoas que não sabia, mas amava.


Foi neste paraíso solitário

que a recusa do ar

enfim calou Eco.

domingo, 3 de outubro de 2010

Para a brisa

Poeminha

(English Version on the comments' space)

Vai a moça e ficam as cores

Esquece pensando na chuva

Estas curvas molhadas de asfalto

doente não incentivam a viagem.









Correta concentração

nos semáforos

Vidro e luzes contam

o que ninguém quer ouvir

Guarda a cabeça que fica

presa ao meio-dia.


O dia longo no redemoinho

de segundas vias

convidam suspiros invertidos

de pura exaustão.

Eu deveria ter ido ao banheiro

antes de fechar o portão.


05.abril.2010 -19h50

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Antes que eu esqueça

Poema
















Memória marcada pela caneta,

meio estranho de palavras comuns.

Voltas sem retorno às horas passadas,

vagar furtivo em imagens que não estão mais.


A caçula cresceu,

A do meio casou.

Um José se foi,

Um José chegou.

Uma mãe tornou-se avó

e a tarde na foto desbotou,

virou verão de janelas abertas

e cheiro de lençol secando ao sol.

Guarda-roupas mudam de tom,

cadeiras abraçam em novos formatos.


Lembranças são tais que quebram

e conquistam.

Apertam e lançam ao ar

beijos, assobios,

cabelos, folhas

e danças.


06.março.2010 - 21h00

terça-feira, 14 de setembro de 2010

domingo, 12 de setembro de 2010

A Chave

Poema & Ensaio




Minha chave vai por todas as fechaduras e abre muitas portas.

A forma da minha chave começa e termina continuamente

às vezes sem ser a chave.


....

Capturado pelos nazistas, Amadeu conheceu um extremo despojamento, foi privado de tudo. As roupas largas dançavam no seu corpo e os sapatos, tirados de uma pilha sem numeração, feriam seus pés. Vagava pelo campo como um espectro faminto, ia resistindo no ‘avesso do nada’. Mas sempre havia algo a ser descoberto: um papel rasgado que a ventania arrastava, um santinho amassado que alguém esqueceu, um prego sem cabeça, uma chave partida. Ele ia guardando cada um desses fiapos abandonados.

Por exemplo, de um papel rasgado fez um envelope, descreveu no avesso a sua agonia, endereçou ao irmão em Trieste e escondeu-o num buraco do chão. Dois anos depois seu irmão recebia a carta. Alguém a havia encontrado e enviado pelo correio. Quem teria sido? Nunca souberam.

A chave partida que recolheu num ralo e conservou por tanto tempo, ele transformou num instrumento heróico. Quando conduzido para Auschwitz, usou-a como chave de fenda na janelinha do banheiro do trem e daí saltou para a liberdade e para a vida.

BOSI, Éclea. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. Pgs. 30-31. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003

domingo, 29 de agosto de 2010

Preenchida

Poema



Na maior sala do mundo
coberta inteiramente de palavras
decorada apenas por frases
de janelas cerradas por sentenças
Tão enorme e finita de letras
e virgulas cruas,

Verbos envelhecidos
que habitavam nobres bocas
refugiam-se em cantos
congestionados por páginas
rasgadas.

Onde títulos sobem as
vigas, notas balbuciam sozinhas,
rascunhos choram com fome
enquanto exclamações aranham
as paredes.

Vocábulos gargalham idiotas
enquanto órfãos ditongos
brincam fingindo não esquecer.

Guardados enlouquecidos
no desejo punhal pela fuga
aonde ninguém pode entrar
não sonham mais em sair.



terça-feira, 10 de agosto de 2010

Cronos

Poema


E então os dias alcançam o calendário,

dezembro, novembro e súbitos marços.

Flores vestidas de tardes douradas,

cortinas de estrelas sobre janelas abertas,

caixas guardadas esperando

festas de quintal.

Voz do José que partiu presa nas

velhas fotografias.


Antes falava do invisível,

hoje apenas recomendo cartas

em linhas escritas de coisas

convencionadas.

Ontens embaraçosos

de bobagens testadas.


Talvez amanhã jogue

fora meus pincéis e tintas.

Talvez amanhã não sinta saudades.

Bem-vindo alívio de páginas arrancadas.


Quisera semana passada ter

recomeçado minha vida.

Agora estou atrasada.




quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Amálgama

Poema



Caixa de carne carrega
concentrado universo
Pedaços estranhos,
sentimentos velados
transformados de
vozes e vazio.

Presença efêmera pelo
ar exalado a cada
confirmação de que
não sabemos. Ecos
intensos e tão
mortos quão
um dia seremos.

Terríveis lembranças,
música contínua de
um futuro irresistível.

Queimam na chama
consumidos sem
nunca, em sua maioria,
utilizar todo o potencial
da flama.


domingo, 1 de agosto de 2010

Moinhos de Ventos

Mini Crônica


Imagine que somos heróis e tolos ao mesmo tempo. Podemos recolher uma alma perdida, um estranho na rua, mas não conseguimos dizer obrigado a um irmão; nossa mãe. Oferecemos prêmios, mas falamos metáforas para sentar-nos a mesa do jantar.

Basta de correr atrás da compreensão do hermetismo absurdo de um estúpido dia-a-dia. Por que fazer concessões, por que contemporizar se isso só fortalece os tolos e enfraquece a razão. O óbvio não existe mais. Morreu sufocado pela dissimulação formalizada.

Quero dizer que não entendo. Chega de dizer que é normal. É a anormalidade do interesse egoísta da multiplicidade enjoada de universos individualistas. Desprezar o fraco por uma submissão exigida. Ordenar um entendimento que não se deseja. Querer sem precisar, salvar sem se importar é o ar a construir moinhos.

07.abril.2004

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Permanecendo

Letra para uma música




O que me parte o coração
não é a ida, o ir embora
a saudade, a solidão.
É saber que jamais retorna
o sorriso, os gestos, a paixão.
De despedida a vida é cheia,
mas o que vão retornarão.
Na última ida, a definitiva
prefiro ir primeiro
que ficar na escuridão.


05.junho.2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

Frase poema



Venha depressa! Pensei lentidão, porém há rosas falecidas.


15 abril 2004

domingo, 18 de julho de 2010

Para nunca saber

Micro conto



- Vermelho?, perguntou-me certa vez. - Não, respondi sorrindo.
- Verde como as folhas das samambaias?, insistiu. Decidi continuar o mistério.
- Azul como o céu nesta tarde?, olhou-me curioso outro dia. Rí com vontade e sacudi a cabeça.

E assim recebia lenços, flores, anéis de belas e inusitadas cores. Se depender de mim nunca saberá a cor que acelera meu coração e deixa leve minha alma. Quero que eternamente adivinhe. Não há maneira mais deliciosa de saborear uma surpresa: um segredo meu para mim.


25 julho 2007

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Madalena e eu


Ofereceram-me pétalas para beber.

Conversaram comigo em silêncio

sentados em um banco da noite.


No mundo dos anjos

meus ossos quebram

No mundo dos homens ando

e meus cabelos tornam-se brancos.


Compro flores, respiro como

se tivesse oito anos.

Vozes de mulheres me contam

de Afrodite e amor divino

A noite parece permanente e

me faz pensar no Sol, nos anjos

e no seu segredo das rosas.


O sono conduz e a vida

pode começar outra vez.



terça-feira, 13 de julho de 2010

Sala de Espera




Mulheres com calças impossíveis desfilam de um lado para o outro. Calças Jeans que parecem ter dois números a menos deformam silhuetas espremendo gorduras para as laterais das cinturas que em conflito sufocam opressivas e imensas coxas. Estas se esforçam suportando espaçosos culotes desarticulados.

Espelhos minúsculos devem decorar as paredes das casas dessas modelos do desarranjo. Ah...a beleza interior...! Ainda bem por esta.

Esta minha acidez, perdoem-me, vem de 4 horas esperando em consultório médico. Impossível resistir ao belo às avessas.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Por que Neruda? Why Neruda?


O mestre responde:

The poet answers:







Português


Teu riso pertence a uma árvore entreaberta

por um raio, por um relâmpago prateado

que do céu tomba quebrando-se na copa,

partindo em duas a árvore com uma só espada.


Nas terras altas da folhagem com neve apenas

nasce um riso como o teu, bem-amante,

é o riso do ar desatado na altura,

costumes de araucária, bem-amada.


Cordilheirana minha, chillaneja evidente,

corta com as facas do teu riso a sombra,

a noite, a manhã, o mel do meio-dia,


E que saltem ao céu as aves da folhagem

quando como uma luz esbanjadora

rompe teu riso a árvore da vida.


Español (original)


Tu risa pertenece a um árbol entreabierto

por um rayo, por um relâmpago plateado

que desde El cielo cae quebrándose em La copa,

partiendo em dos El árbol com uma sola espada.


Solo em las tierras altas de follaje com nieve

nace uma risa como la tuya, bienamante,

es la risa del aíre desatado em la altura,

costumbres de araucária, beinamada.


Cordilerana mía, chillaneja evidente,

Corta con los cuchillos de tu risa la sombra,

la noche, la mañana, la miel del mediodía,


Y que salten al cielo las aves del follaje

cuando como una luz derrochadora

rompe tu risa el árbol de la vida.


English


Your laugh belongs to a tree fissured in two

by a lightning streak, by a silver bolt

that drops from the sky, splitting the poll,

slicing the tree with its sword.


A laugh like yours is born only in the snow

and the foliage of the highlands, my love

the air’s laugh that burts loose in the height,

Araucanian tradition, my dearest.


My mountain woman, my clear chillaneja,

slash your laughter through the shadows,

the night, morning, noon’s honey,


Birds of the foliage will leap in the air

when your laugh like an extravagant

light breaks the tree of life.


Cien Sonetos de Amor

Soneto/Sonnet LI

Pablo Neruda

sábado, 10 de julho de 2010

Margarida Muda


Querida Margarida do batom irrefutável,

Adorei seu corte de cabelo. Esse negro brilhante de curtas madeixas me deixa melancólica. Da minha cabeça os fios jogam-se fracos até os ombros. Uma moldura anônima largada pelas laterais de um rosto comum. Não sou mulher para os olhos, sou a voz dos ouvidos. Margaridas mudas ficam quando o tom marca o ritmo da moça. Fugazes melancolias somem sob a marca hipnótica de palavras projetadas. Ainda que careca derrubaria reis e controlaria nações.

05 abril 2010, segunda-feira, 19h50